ATA DA DÉCIMA SESSÃO ESPECIAL DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 18.11.1993.
Aos dezoito
dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e noventa e três reuniu-se, na
Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto alegre,
em sua Décima Sessão Especial da Primeira Sessão Legislativa Ordinária da
Décima Primeira Legislatura. Às dezessete horas e doze minutos, constatada a
existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da
presente Sessão, destinada a comemorar o Dia da Consciência Negra, conforme
Requerimento nº 101/93 (Processo 1021/93), da Vereadora Helena Bonumá.
Compuseram a MESA: Vereador Wilton Araújo, Presidente da Câmara Municipal de
Porto Alegre; Doutora Sandrali Bueno, representante do Senhor Prefeito
Municipal; Desembargador Tupinambá Miguel do Nascimento, representante do
Tribunal de Justiça do Estado; Doutor Sandro Dorival Marques Pires,
representante do Procurador-Geral de Justiça do Estado; Doutor Adroaldo Correa,
representante da Secretaria Municipal de Cultura; Doutor Ênio Terra,
Presidente do Conselho Estadual do Negro; Vereadora Helena Bonumá, Secretária
“ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente pronunciou-se acerca da solenidade,
analisando a importância da união de Entidades representativas da comunidade
negra e dos Poderes Executivo e Legislativo, a nível municipal e estadual, na
rea1ização de eventos referentes à
Semana do Negro. Em continuidade, concedeu a palavra aos Vereadores que se
pronunciariam em nome da Casa. A Vereadora Helena Bonumá, em nome das Bancadas
do PT, PDT, PMDB, PPS, PFL e PSDB, falou sobre a dívida que o Brasil possui com
a raça negra, não só no trabalho mas também no aspecto cultural, lembrando que
a comemoração do dia vinte de novembro possui um caráter de resgate cultural e
social. Teceu comentários sobre a abolição da escravatura, destacando ter sido
ela embasada em causas econômicas e não ter ocorrido no contexto idílico como o
divulgado nas nossas escolas.Ainda, discorreu sobre as diversas formas de
opressão e exploração observadas na sociedade, enfatizando a situação da mulher
negra, triplamente explorada, e propugnando por medidas que viabilizem o fim da
discriminação no País. O Vereador Luiz Braz, em nome da Bancada do PTB, falou
sobre a situação do negro no Brasil, dizendo ser nossa sociedade extremamente
discriminadora, exigindo do negro uma luta constante por seus direitos. Ainda,
discorreu sobre a figura de Zumbi dos Palmares, analisando a forma como as
escolas ensinam a história do negro brasileiro. Finalizando, defendeu a
educação e o exercício profissional como o meio mais eficaz de modificar a
situação do negro no País. O Vereador Pedro Américo Leal, em nome da Bancada do
PPR, disse que o Brasil é constituído por três etnias: o índio, o branco e o
negro, destacando que, mesmo reconhecidos como democracia racial, ainda não
logramos o reconhecimento como democracia social. Atentou para a desproporção
verificada entre a constituição racial e a proporção de oportunidades de
trabalho, tecendo comentários sobre a presença do negro na história brasileira.
Ainda, defendeu a necessidade de realização de um resgate de fatos históricos
que sejam irremediáveis, lembrando o dilema dos povos que conquistam sua
liberdade às custas da liberdade de uma raça. A seguir, o Senhor Presidente
concedeu a palavra a Senhora Maria da Conceição Lopes Fontoura, representante
do Movimento Negro de Porto Alegre, que discorreu sobre a problemática da
cidadania do negro no Brasil, rememorando dados históricos da cultura
afro-brasileira e do movimento negro. Lembrou o Quilombo de Palmares,
classificando essa experiência como socialista e etnicamente democrática. A
seguir, o Senhor Presidente agradeceu as preciosas informações trazidas pela Senhora
Maria Conceição Lopes Fontoura. A seguir, foi entregue ao Presidente desta Casa
dois Diplomas de Menção Honrosa, um para o Senhor Presidente, Vereador Wilton
Araújo e outro para a Câmara Municipal de Porto Alegre, entrega esta realizada
pelo Pai Ailton da Oxum em nome do XII Encontro Internacional de Babalorixás e
Ialorixás. Na ocasião, o Senhor Presidente registrou a presença da Senhora
Iolanda da Silva Carvalho, representando o Secretário Estadual da Saúde; do
Senhor Hermes de Souza, Diretor Administrativo da Fundação Metropolitana de
Planejamento; da Senhora Dulce Franco, representante da Fundação de Educação
Social e Comunitária; do Senhor José Carlos Ferreira dos Reis, representante do
Departamento Municipal de Limpeza Urbana; do Senhor Dilamair Santos, da
Executiva do Cenarab; do Senhor Valmir Oliveira, Presidente da Associação
Satélite de Prontidão; da Senhora Vera Triunfo, Presidente do Conselho Geral
Memorial Zumbi; dos Senhores agentes da Pastoral do Negro do Estado; da Senhora
Maria Conceição Lopes Fontoura, Assessora Especial do Negro da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre; da Senhora Elizabet Maidauer, representando a
Assessoria Especial para Políticas Públicas da Mulher; da Senhora Maria Aparecida
Silva, Conselheira Nacional dos Trabalhadores Domésticos; da Mãe Neuza do Ogum;
da Mãe Ieda do Ogum; da Mãe Neuza do Bará; do
Pai Adriano do Bará; do Pai Ailton do Oxum; do Pai Wilson Chaves do
Xangô; da Mãe Verinha do Oxalá; da Mãe Ciça de Oxalá; do Pai Aurélio do Ogum;
do Pai Roger do Xangô; Mãe Cenilda do Odé; da Mãe Nilza de Iemanjá; Mãe Neuza de Oxum; e dos Filhos de Santo
presentes no Plenário. Em continuidade, o Senhor Presidente agradeceu a
presença de todos, registrando o quão proveitosa e esclarecedora foi a presente
Sessão e convidando os presentes para, no andar térreo desta Casa, logo após o
encerramento dos trabalhos, receberem as bençãos dos Pais e Mães de Santos
presentes, destacando a excepcionalidade deste evento. Às dezoito horas e
trinta minutos, nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente declarou
encerrados os trabalhos da presente Sessão, convocando os Senhores Vereadores
para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram
presididos pelo Vereador Wilton Araújo e Secretariados pela Vereadora Helena
Bonumá, esta como Secretária “ad hoc”. Do que eu, Helena Bonumá, Secretária “ad
hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos
e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.
O SR.
PRESIDENTE: Vamos dar início à Sessão Especial destinada a marcar o Dia da
Consciência Negra, que faz parte de Semana do Negro, um dos eventos da Semana
do Negro do Município de Porto Alegre em que a Câmara Municipal todos os anos
realiza. Este ano estamos realizando em conjunto num único calendário entre a
Câmara Municipal, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, entidades, como a
Associação Satélite Prontidão, Floresta Aurora, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Conselho Estadual do Negro, enfim, todas as entidades de Porto
Alegre e do Estado uniram-se para fazer os seus eventos, mas uniram-se
coordenados por um grupo que conseguiu, pela primeira vez, colocar uma
seqüência de eventos, onde eles não se sobrepusessem e não tivessem, como nos
anos anteriores, as dificuldades de comparecimento em um ou outro ato que
estava sendo realizado.
Vamos compor a Mesa para a Sessão Especial,
chamando o Exmo Sr. Representante do Tribunal de Justiça do Estado,
Desembargador Tupinambá Miguel do Nascimento; o Exmo Sr.
Representante do Procurador Geral de Justiça do Estado, Dr. Sandro Dorival
Marques Pires; a Ilma Srª Sandrali Bueno, representante do Sr.
Prefeito Municipal, neste ato; o Exmo Sr. Ver. Adroaldo Corrêa,
representando, neste ato, o Sr. Secretário Municipal de Cultura; o Exmo
Sr. Ver. Ênio Terra, Presidente do Conselho Estadual do Negro. Esta Sessão
Especial de hoje, tenho certeza de que a mais concorrida que a Câmara Municipal
realiza desde a instituição da “Semana do Negro”, que foi no ano de 1984, no
Município de Porto Alegre, se deve a vários fatores, no meu entendimento. O
primeiro deles, já disse, a união de todas as entidades, sonho que
acalentávamos há longo tempo, não é Ver. Adroaldo Corrêa, e também o de todos
os representantes das entidades que hoje estão aqui. Quando eu vejo, em um
programa único, Ênio Terra e ontem tive a oportunidade de ler, as duas
entidades maiores, Associação Satélite Prontidão e Floresta Aurora, assinarem
juntas ofício e documentos, duas entidades centenárias. E, pelo que tenho
conhecimento, é a primeira vez que se unem para realizar atividades que motivem
a consciência negra na cidade de Porto Alegre e Estado do Rio Grande do Sul. É
um motivo e muita satisfação para mim, como autor do Projeto que criou a Semana
do Negro, sinto que colhemos os primeiros frutos desta Lei existente há 9 anos.
Mas, agora, realmente ela vem ganhar a dimensão e a magnitude que desejamos
desde o início.
Damos início aos pronunciamentos feitos pelos Srs.
oradores que falarão em nome das suas Bancadas. Passamos à Ver. Helena Bonumá,
proponente desta homenagem, que falará em nome do seu Partido, o Partido dos
Trabalhadores, e em nome do PDT, PMDB, PPS, PFL e do PSDB.
A SRA.
HELENA BONUMÁ: Sr. Presidente, autoridades que compõem a Mesa; diversas
entidades e organizações do Movimento Negro presentes; senhores e senhoras que
nos acompanham nesta Sessão.
É uma honra para nós fazermos parte do evento desta
segunda Semana da Consciência Negra que se realiza em Porto Alegre. Falamos em
nome da Bancada do Partido dos Trabalhadores e demais partidos já citados pelo
Presidente da Casa.
Queremos dizer que, num momento como este, numa
homenagem desta natureza, nós temos que aproveitar para frisar a dívida que o
Brasil tem para com o povo negro.
Entendemos que esta data de 20 de novembro, em
memória de Zumbi, da resistência negra que o Movimento elegeu para comemorar o
seu dia, o dia da consciência e o Dia da Raça Negra, esta data é importante,
porque ela traz na sua escolha o caráter do resgate da memória que é buscada no
passado, na nossa história, na nossa Constituição, enquanto Nação, enquanto
cultura, enquanto povo brasileiro. O Brasil deve ao povo negro e reconhecimento
dos 350 anos de trabalho escravo que constituiram esta Nação. Nós não podemos
deixar de admitir que na brutalidade da escravidão foi que se construiu os
primeiros ciclos de riqueza desta País, que nos colocaram frente ao mundo
inteiro, e a participação dos negros naquele momento foi muito importante. Não
só no trabalho mas na cultura, na religião, nos costumes, enfim em todas as
características que esse povo trouxe para o Brasil. É necessário que se faça um
resgate, a Abolição da Escravatura não foi o ato que estudamos na escola, a
Abolição da Escravatura teve motivos econômicos e políticos por trás. Ela não
se deu naquele contexto idílico que nós estudamos, como se fosse simplesmente
um ato de humanismo que em si apagava o sentido todo da escravidão. Na
realidade, a Abolição significou apenas uma troca, uma diferenciação da forma
de opressão e da exploração que a mão-de-obra negra passa a ter em nosso País.
Na verdade não são mais escravos, são trabalhadores livres, mas submetidos a
péssimas condições, trabalhadores livres que não tiveram seus direitos
assegurados, que não tiveram políticas de incorporação no mercado de trabalho
assalariado que começava a se formar na nossa sociedade naquela época. É
importante essa data, ela resgata a mudança que temos que imprimir no nosso
estudo de história e na busca das raízes desse povo para que se consiga,
através do estudo e da recuperação do nosso passado, quem sabe, buscar forças,
buscar exemplos que nos encorajem e que permitam que o povo brasileiro, nessa
situação de crise e desmantelamento geral em que vive, consiga resgatar a sua
dignidade. Eu acho que temos a obrigação de, neste momento, neste reflexão
procurar superar isso que tem sido parte da nossa ideologia nacional no Brasil,
que é o fato de que somos uma democracia racial e que aqui não há preconceito,
que a miscigenação que houve neste País é uma demonstração disso. Não é uma
demonstração disso, porque os representantes da raça negra, os representantes
dessa miscigenação sabem no seu cotidiano, na sua vida concreta que não há
democracia racial no nosso País. É preciso que se diga isso bem claro e que se
busque os mecanismos que reproduzem a discriminação racial no Brasil.
O nosso País se formou como um País não só racista,
mas também como um País patriarcal e capitalista. Eu acho que a articulação
dessas formas de opressão com a forma de exploração do trabalho humano, ela tem
um resultado. O resultado concreto que a gente vê é um País, onde a maior parte
da população é negra e mestiça, dominado por uma elite branca e masculina. A
maioria da população, onde estão as mulheres, os negros, e outros setores
descriminados, tem as suas especificidades, as suas características e
diferenças consideradas desigualdades e usadas para a sua própria opressão e
exploração.
Nesta ocasião, esses elementos são necessários para
a nossa reflexão. Nós temos que admitir que o nosso País é patriarcal,
preconceituoso e racista, ainda. Quando discuto a questão do racismo e do
preconceito, há duas coisas que eu acho importante resgatar e que eu tenho
repetido nesta tribuna. Em primeiro lugar, não podemos ver as manifestações de
discriminação como episódios pontuais ou como manifestações isoladas ou
eventuais. Essas manifestações que acontecem de preconceito, elas, na
realidade, são manifestações extremas de uma situação que é permanente na nossa
sociedade e é isto que nós precisamos desvelar. É uma situação que faz parte da
nossa história. O preconceito e a discriminação estão introjetados na nossa
história, no nosso modo de vida, no inconsciente coletivo de um povo que se
formou tendo as relações de escravidão, preconceito e exploração do trabalho
como elementos da base do funcionamento da sociedade. Então, isso é estranhado
em nós, sendo um estado permanente. As manifestações mais violentas e eventuais
têm que ser percebidas dentro deste contexto para que a gente possa
combatê-las, indo a sua raiz. A segunda questão, que é conseqüência dessa
primeira, é que, de fato, o racismo, o preconceito, a discriminação, não são só
manifestações culturais ou de valores. São relações sociais, humanas, pessoais
que estão impregnadas no dia-a-dia do povo brasileiro, do povo que tem cor, do
negro e do mestiço, que é a maioria da população. É necessário que a gente veja
que esse preconceito não é só ideológico e de valores. Ele determina
concretamente a vida das pessoas, as possibilidades de milhões e milhões de brasileiros,
na medida em que ele influencia na possibilidade de escolarização, de trabalho,
nas condições de vida, no respeito, na dignidade das pessoas, enfim, nas
possibilidades de viver de cada um que tem cor num País onde domina o branco.
Partindo desta compreensão, analisamos melhor a nossa realidade hoje e vemos
que a maioria dos setores pobres da nossa população é negra, a maioria dos
meninos de rua são negros, a maioria dos prsidiários, a maioria dos
marginalizados são negros e isto não é à toa. Isso é que deve ser reconhecido.
Uma outra coisa importante de ser resgatada num momento como este é o papel da
mulher negra, que é sem dúvida, o setor mais explorado da população, porque
além de ser oprimida como mulher, de ser oprimida como negra, o fato de ser
mulher e de ser negra determina, para as mulheres, um lugar na sociedade que é
um dos piores lugares da sociedade. Então, dá para dizer que são três vezes
exploradas, porque é o setor da população que tem menos condições de acesso à
cidadania e aos benefícios da sociedade. O lugar da mulher negra na nosso
sociedade tem sido o de doméstica e de objeto sexual. Evidentemente que há
muitas mulheres que fogem disso, que por mérito, por esforço superam essa
condição que lhe é imposta pela sociedade, e se desenvolve de uma outra forma,
dando demonstração do valor da sua raça e da sua experiência histórica. Agora,
é bom que se diga que o que a sociedade permite, o que a sociedade oferece, o
que a sociedade requer e projeta é essa imagem de desqualificação da mulher. E
historicamente sabe-se que desde o início, desde o tempo da escravidão, foram
utilizadas sexualmente, pelo branco, as mulher negras. E que esse símbolo, da
sexualidade negra da mulher, é usado até hoje, de uma forma abusiva, de uma
forma de desrespeito à condição de humanidade desta mulher.
Para finalizar, eu quero colocar que não se deve
apenas fazer discurso, registro, comemoração. O povo negro tem dado
demonstração, como disse o Presidente desta Casa, de uma crescente organização,
que se expressa hoje, aqui, no número de entidades, e de um movimento que tem
sido a nível nacional, cada vez mais vigoroso. Isso é muito importante e é isso
que vai permitir que se dê os primeiros passos, passos fundamentais para a
superação dessa condição. É importante também que além dos discursos, das
comemorações, tenha-se medidas concretas, políticas concretas que ataquem na
raíz essa discriminação, que chegue nos mecanismos concretos de reprodução
dessa discriminação. E a mim parece que uma delas é o respeito à lei, porque
temos leis, inclusive muito antigas, da
década de 1950, de proteção ao negro e
contra a discriminação, mas elas não são cumpridas. Temos que exigir o
cumprimento dessas leis, temos que ter espaços de controle, mecanismos de
controle da nossa sociedade, que punam os infratores dessas leis. Temos que
trabalhar ao nível da educação, introduzir, como o Ver. Adroaldo Corrêa, se não
me engano fez passar projeto nesta Casa, introduzir nos currículos escolares,
conteúdos antidiscriminatórios. Nós temos que trabalhar na linha da cultura;
temos que resgatar a importância da cultura negra para o Brasil, para a alma
brasileira; para a cultura brasileira, temos que ter mecanismos de proteção ao
trabalho e de garantia dos direitos de cidadania aos negros, principalmente às
mulheres negras.
E por fim, eu queria dizer que essa luta não é dos
negros, ela é de todos nós, porque não podemos pensar uma sociedade mais
humana, quando no nosso caso, aqui no Brasil, a maior parte dessa sociedade é
discriminada, como se não fosse, o que é mais trágico. Então, as mulheres, nós
que somos o setor mais discriminado da sociedade, que temos a nossa
particularidade, que temos a vivência da inferioridade que a sociedade nos
impõe, sabemos o que é ser inferior. Nós sabemos que essas inferioridades,
essas discriminações têm características diferentes e se expressam de forma
diferente. Então, nós temos pontos comuns, e temos que nos unir nos pontos
comuns; temos que saber que as manifestações de discriminações, que muitas
vezes temos entre nós, não são mais do que instrumentos da própria ideologia
dominante, para fazer com que a gente reproduza a discriminação e não consiga
uma unidade suficiente que temos que ter para superá-la. Portanto, acho que faz
parte de um projeto de uma sociedade mais humana, mais fraterna, de um Brasil
que lutamos para construir; que nos unamos, e de mãos dadas lutemos para ter
medidas concretas que propiciem a superação dessa discriminação. Muito
obrigada. Axé!
(Revisto pela oradora.)
O SR.
PRESIDENTE: Gostaria de registrar a presença do Ver. Guilherme Barbosa.
O Ver. Luiz Braz está com a palavra e fala em nome
da Bancada do PTB.
O SR. LUIZ
BRAZ: Exmo Sr. Presidente da Câmara de Vereadores de Porto
Alegre, Ver. Wiltom Araújo; demais representantes que estão presentes na Mesa,
Senhoras e Senhores.
Em primeiro lugar, eu me sinto, realmente, muito
satisfeito, muito feliz, porque, exatamente, neste dia destinado a comemorar a
Consciência Negra, eu vejo que a Mesa Diretoria dos trabalhados está
representada por algumas pessoas oriundas desse segmento, que encontraram,
dentro da sociedade, oportunidade para progredir e hoje se encontram no ápice
dessa mesma sociedade. Quero exaltar a figura querida do meu sempre Professor e
um dos melhores Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul Dr. Tupinambá Miguel Nascimento, que sempre referencio como uma das
grandes inteligências do Estado do Rio Grande do Sul. Vou referenciar também o
atual Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, meu amigo Wiltom Araújo,
que tem um currículo realmente maravilhoso a ser apresentado para toda a nossa
sociedade e que demonstrou, durante todo este ano, toda a sua competência e
capacidade. Tenho certeza absoluta que não apenas a raça negra, mas toda a
sociedade em geral está muito orgulhosa em ter um representante como o Wilton
Araújo na Presidência da Câmara Municipal de Porto Alegre. Vejo, ainda, a Drª
Sandrali Bueno, que atualmente faz parte da administração pública municipal e
que, tenho certeza, é um dos grandes orgulhos da raça negra e de toda a
sociedade. Vejo o Dr. Enio Terra, que nós tivemos a felicidade em ter como
Vereador em uma das Legislaturas, que também foi uma das pessoas brilhantes que
ocupou uma cadeira como Vereador e um dos grandes orgulhos nossos. Lá, do outro
lado, baixinho, pequeninho, mas com uma capacidade e um talento de causar
inveja, não apenas para outros negros mas para brancos e todos os que não
conseguem chegar ao seu grau de cultura, meu amigo Adroaldo Corrêa, também, que
foi Vereador desta Casa, e que na verdade não foi exatamente a sua cor negra
que o atrapalhou na sua caminhada rumo ao sucesso. Ele lutou, e eu sei, teve
dificuldades, mas chegou lá. Acho que o Dr. Sandro não se recorda mais de mim,
mas eu me recordo com muito carinho do
Dr. Sandro. Muitas vezes estivemos em uma das festas mais expressivas que reúne
a cultura negra no nosso País, exatamente no carnaval. Lembro-me que era no
carnaval, onde eu era apenas um apresentador daquela festa na avenida, ao lado
da minha querida amiga Leonor, que faz tempo que não vejo. O Dr. Sandro sempre
figurava com destaque no júri do carnaval, era uma das pessoas mais
respeitadas, que mais conhecia aquela grande expressão cultural da raça negra,
sentado na avenida e julgando todo aquele espetáculo que passava diante dos
nossos olhos. Eu fico muito feliz com que esta Mesa esteja assim, hoje,
representada. Quando a gente olha para o Plenário, vê o Wilson Ávila. Tenho um
carinho muito especial por esta figura humana, que conheci praticamente quando
cheguei em Porto Alegre. Cheguei há 18 anos - e como todas as pessoas que
chegam sozinhas, eu não tinha família, não tinha ninguém - para fazer um
programa na Rádio Farroupilha, naquele tempo a Rádio Farroupilha era das
Emissoras Associadas, e eu tinha dificuldades para alugar uma casa, ter um
local para parar, comprar móveis, porque eu não tinha como parar. E quem era
meu fiador, sem me conhecer, que me foi apresentado, praticamente, naqueles
dias, foi o Wilson Ávila. E de lá para cá pude acompanhar o trabalho que ele
desempenhava junto à sua comunidade. Fico extremamente feliz de poder olhar
aqui, à minha direita e ver a presença do Wilson Ávila, que respeito muito,
tanto como um dos expoentes da religião, como um dos expoentes entre os seres
humanos. (Palmas.) Nós preparamos, meu amigo Pedro Américo Leal, todos vão ter
a felicidade de poder ouvi-lo, como já tiveram a oportunidade de ouvir a
companheira Helena Bonumá, nós preparamos um
texto, porque gosto de me prender a textos, principalmente quando o
momento é solene. E como este momento é realmente solene, este texto chega a
resumir e traduzir um pouco daquilo que pensamos a respeito deste grande
movimento, para que um dia qualquer, quem sabe, neste mundo, nós tenhamos
realmente igualdade, que a justiça seja feita. Eu digo que a desigualdade não
existe apenas entre negros e brancos, as desigualdades existem entre pobres e
ricos, porque na verdade, basta que o negro seja rico e ele já começa a ser
olhado de uma forma diferente. Temos como exemplo o Pelé e tantos outros negros
que existem por aí, que são ricos e, de repente, começam a ser olhados de forma
diferente. Na verdade a discriminação não é contra a mulher negra, a
discriminação é contra a mulher pobre. Se ela é pobre, na verdade, tanto faz ser
ela branca ou negra, ela será discriminada. Nós temos uma sociedade
extremamente discriminadora. Eu sei que isso não agrada a muitas pessoas, mas é
assim. Nós enxergamos a nossa sociedade assim. É preciso haver luta, muita
disposição de luta para que nós possamos vencer os obstáculos. Eu sou de
família negra. Meu pai é negro, a minha avó é negra, os meus bisavós são
negros. Eu falo aqui de uma família que lutou demais, e luta desesperadamente
para vencer os obstáculos, para vencer as dificuldades e as injustiças que são
praticadas, mas que não desistirá jamais dessa luta, que irá continuar sempre,
para que possamos atingir, algum dia, aquela sociedade igual que todos nós
queremos.
Nós estamos em plena comemoração ou lamentação da
morte de Zumbi, um dos maiores líderes que o Brasil já teve. Existe na letra de
uma música, um trecho que retrata bem a sua atuação, que é o seguinte. (Lê.)
“Palmares, foi o primeiro grito/ de liberdade no
Brasil./ O negro fugiu dos canaviais/ Refugiou-se no alto de serra/ e fundou o
Império Zumbi...”/ Uma luta desigual, como sempre, onde, o espírito de luta e a
busca pela liberdade formavam o ideal maior a ser conquistado e graças a eles o
Quilombo de Palmares sobreviveu por muitos meses aos escaramuças, o que foi
suficiente para tornar-se um grão de areia na imensa praia da história
brasileira. E pasmem, a data só não é mais importante por diversos aspectos,
até porque a “Estória” que é repassada nos bancos escolares não regata a
realidade, pois é sempre de acordo com o regime vigente no País. Para alguns educadores, o Quilombo
de Palmares não ocupa mais do que algumas linhas em seus livros didáticos e
raros são os mestres que dispensam mais do que uma pergunta em seus
questionários sobre Zumbi ou Quilombo de Palmares para seus alunos.
Na sobrevivência das raças oprimidas, a luta dos
negros tem sido surpreendentes, pois tem de vencer inúmeros obstáculos tais
como “boa aparência”, “aquele moreninho” e ainda não basta ser o melhor, tem
que ser o “melhor dos melhores”, isto é, tem que ser apenas ótimo. Estamos
constantemente em teste e quando há algum erro, o que é uma característica do
ser humano, ouve-se aquela tradicional observação “Tinha que ser...”, além do
qual normalmente as conseqüências são bem maiores.
Em maio de 1888, ou seja, a mais de 100 anos, a
Princesa Isabel assinou a Lei Áurea (o que era para ser uma solução acabou
tornando-se um problema) e aí ficamos sem casa (e não existia a denúncia vazia)
e sem emprego (não existia recessão) com um pouco de liberdade sem ter para
onde ir. Esse fato aumentou a dependência econômica do sinhozinho da Casa
Grande, deixando-nos duplamente atrelados. Quando isto ocorreu, estávamos no
rodapé da hierarquia dos seres vivos, isto mesmo, seres vivos e hoje alguns
negros sobreviveram a tudo e a todos atingindo um patamar, senão o ideal, pelo
menos razoável de vida, diminuindo assim as dificuldades do caminho para seus
filhos.
Ainda somos motivos de espanto em algumas
situações, pois “Elles” (o Quilombo de Palmares existiu no Estado de Alagoas)
só nos admitem vencedores no esporte (leia-se futebol, basquete, vôlei, etc.) e
a nossa arte não ultrapassa 3 dias por ano (carnaval). Quando falamos em Zumbi,
para muitos um eterno desconhecido, surgem as perguntas:
Zumbi... não conheço. Não é um cantor de pagode? Ou
quem sabe um novo talento futebolístico?... Pois bem, se isso não bastasse,
quem não ouviu alguma vez as expressões: “ele é negro mais tem a alma branca”.
(Como se alma tivesse cor), ou “Mercado Negro”, ou “Ovelha Negra”, ou “A coisa
está ficando preta”. O problema é cultural pois quando crianças, recebem um
fardo de informações com todas as referências acima e que mais tarde
transformam-se em padrões na convivência social.
As vezes somos educadamente convidados a usar o
elevador de serviço, ou quem não ouviu alguém dizer “Coisa de negro”, “Só podia
ser...”. Pois bem isto é o que passamos diariamente. Existem soluções, e elas
passam por vários caminhos, mas o mais utilizado ainda é a formação escolar e a
oportunidade de ingresso no serviço público, e, talvez, com algumas
dificuldades, uma especialização. Enfim um exercício de uma profissão.”
O que nós não podemos esquecer jamais é que sempre
vai valer a pena lutar para nós conquistarmos um lugar algum dia numa sociedade
bem mais justa. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE: Registramos a presença do Ver. João Motta. Com satisfação a
presença da Drª Iolanda da Silva Carvalho, representando o Secretário Estadual
da Saúde; do Ilmo Sr. Diretor Administrativo da Metroplan, Dr. Hermes
de Souza; da Srª Dulce Franco, que representa a FESC; do Sr. José Carlos
Ferreira dos Reis, representando o DMLU; do Sr. Dilamair Santos, da Executiva
do Cenarab; do Ilmo Sr. Valdmir Oliveira, Presidente da Sociedade
Floresta Aurora; do Dr. Nilo Alberto Feijó, Presidente da Associação Satélite
de Prontidão; da Srª Vera Triunfo, Presidente do Conselho Geral Memorial Zumbi;
dos Srs. Agentes da Pastoral do Negro do Estado do Rio Grande do Sul; da Srª
Maria Conceição Lopes Fontoura, Assessora Especial do Negro da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre; da Srª Elizabet Maidauer, representando a Assessoria
Especial para Políticas Públicas da Mulher; da Srª Maria Aparecida Silva,
Conselheira Nacional dos Trabalhadores Domésticos. Registramos, também, as presenças,
no Plenário de Mãe Neuza de Ogum, de Mãe Ieda de Ogum, da Mãe Neuza do Bará, do
Pai Adriano do Bará, do Pai Ailton do Oxum, do Pai Wilson Chaves do Xangô, da
Mãe Verinha do Oxalá, da Mãe Ciça de Oxalá, do Pai Aurélio do Ogum, do Pai
Roger do Xangô, da Mãe Cenilda do Odé, da Mãe Nilza de Iemanjá, da Mãe Neuza de
Oxum, e dos Filhos de Santo presentes em nosso Plenário.
Com a palavra, o Ver. Pedro Américo Leal, que
falará em nome de sua Bancada, o PPR, e em nome desta Casa.
O SR. PEDRO
AMÉRICO LEAL: Exmo Sr. Presidente da Câmara Municipal, mui digno
Wilton Araújo; Exmo Sr. representante do Tribunal de Justiça do
Estado, ilustre Desembargador Tupinambá Miguel do Nascimento; Ilmo Sr.
Representante do Procurador-Geral de Justiça do Estado, Dr. Sandro Dorival
Marques Pires; Ilma Srª Representante do Sr. Prefeito Municipal, Drª
Sandrali Bueno; Exmo Sr. representante da Secretária Municipal de
Cultura, Dr. Adroaldo Corrêa; Exmo Sr. Presidente do Conselho
Estadual do Negro, Dr. Ênio Terra. (Lê.)
“Venho a esta tribuna em nome de meu Partido e voluntariamente saudar, neste dia 20 de
novembro, o dia escolhido da Consciência Negra. Saúdo todas as entidades e
personalidades enunciadas e distinguidas, há poucos instantes, pelo ilustre
Presidente da Câmara Municipal.
O Brasil é constituído estruturalmente por três
etnias: o índio, o branco e o negro, por ordem de chegada, no acesso ao
território, na marcha pela História, se reconhecido como democracia racial, não
logrou o reconhecimento até agora, como democracia social, encarando os três
componentes: o índio, o branco e o negro. É que nesta fórmula humana de três
termos há resgates a fazer. Difíceis de realizar, quase impossíveis.
O que ficou para trás, as dívidas com o índio e seu
território, sua cultura, até hoje estamos buscando remendar. Chegam a ser
problemas ameaçando a nossa própria soberania, aí está a nação Ianomâmi.
Mas o negro está próximo do branco, ao seu lado,
numa sociedade em que prepondera, contribuindo com cerca de 68% na fisionomia,
na personalidade coletiva do brasileiro. Se está aí em número não está em
oportunidades. Isto não é uma mesura, um favor, é a verdade.
Se o caldeamento foi tranqüilo, pacífico, isento de
choques significativos, na descoberta e durante a colonização, não disfarça a
evidência da desproporção de oportunidades dadas a raça participante da
sociedade de hoje. As explosões de talentos artísticos não podem ser
confundidas com o amealhamentos do acervo cultural, que é conquista não é
espontâneo.
Alexandre Machant em sua obra ‘Do Escambo a
Escravidão’, relata-nos o dilema enfrentado em 1567 pelos padres jesuítas e os
colonizadores, ao debaterem aspectos teológicos e jurídicos de uma alternativa
a ser adotada no Brasil de então, que nascia: ‘Pode alguém vender a outro, ou
vencer-se a si mesmo?’
Chega a ser singular para o nosso tema pois
intitularam, deram como pauta e consta na página 193 da mesma obra este impasse
como: Questão prática de consciência.
Esta função da inteligência, a consciência
refere-se a percepção coerente com respeito ao nosso próximo existir, no espaço
e no tempo. E estas duas consciências, dos jesuítas e dos brancos, daquela
época e a atual, e da percepção negra de raça de hoje, distanciam-se 436 anos,
quase meio milênio. Ambas são de sobrevivência! A primeira materialmente
interesseira, e a de hoje, a nossa que abordamos, é de amargura, por ser uma
conseqüência negativa de oportunidades de uma raça que contribuiu, e não foi
preparada para o encontro de contas da história.
Os jesuítas jamais transigiram com a escravidão,
mas para aliviar o índio, a quem primeiro se afeiçoaram, o que lhes custou a
expulsão em 3 de setembro de 1759 e até a extinção em 1763, desampararam o
negro. E esta falta de resistência permitiu aos colonizadores, fervorosamente
religiosos, que adotassem a iniciativa da escravidão de uma raça estranha ao
Continente, estranha também a primeira interpretação de consciência.
Abriam-se espiritualmente, até judicialmente as
perspectivas ao triste tráfico do negro. Importado durante três séculos,
despejando, esse é o termo, no Brasil, 6 milhões de homens válidos e de
mulheres jovens.
Eram trabalhadores fortes, pacientes e sóbrios,
diferentes dos índios indolentes e avessos ao trabalho braçal.
O Brasil de hoje se ergueu sobre essa gente, que
devastou florestas, desdobrou canaviais, criou riquezas em todos os cantos, na
mineração, na agricultura do litoral, na civilização do açúcar. Mas sempre um
triste comércio da liberdade humana que até hoje nos diminui. Difícil de
abordar! Basta citar Pedro Calmon em sua obra ‘O Espírito da Sociedade
Colonial’ à página 173, relatando que na comarca do Rio de Janeiro de 600 mil
habitantes, 37 mil apenas eram brancos.
São fatos! São números! Os negros vinham da costa
d’África, aprisionados, vendidos por príncipes africanos. Haviam guerreiros e
nobres, prisioneiros de guerra, outros condenados por pequenas faltas, mal
pagadores, alguns negociados por familiares desesperados diante da miséria.
Mas de todos os ângulos que encaramos, este
amargurante episódio de nossa história damo-nos conta de indignidade, da
iniqüidade, desumanidade que encerra o nosso período colonial.
E o que mais realçar, senão a Consciência do que
aconteceu do irremediável, cabendo pelo menos um resgate. Não apenas uma
Consciência, que não passa de uma elaboração da inteligência, uma admissão,
constatação do que foi ou é real, e que nos envolve. Esta gente, peça
fundamental da formação da nacionalidade, foi presente em todos os ciclos do
nosso desenvolvimento mas, politicamente, de lá para cá, constituiu sério problema,
para as elites.
O Brasil político sempre se viu num dilema para
obtenção da independência ou da república. Como obtê-las, sem sacrificar a instituição escravista? Era o
problema!
Qualquer revolução colonial redundaria numa
revolução social, e a emancipação dos escravos a ruína do senhor.
Não foram vitoriosas as conspirações de 1789, de
1798 e em 1817 a própria Insurreição Pernambucana, por quê?
Como se obter a liberdade de um povo sem sacrificar
a liberdade de uma raça? O dilema!
O que deixou de ser realizado nos responsabiliza
até hoje. A nosso ver, a culpa admitida, foi tomar a consciência desta
realidade e nada iniciar no preparo ao longo da jornada, de uma liberdade
cultural para o enorme contingente que seria incorporado, inexoravelmente, a nossa
liberdade política.
O resultado dessa omissão enfrentamos até hoje. Nem
a Independência, tão pouco a República, preocuparam-se com esta massa,
companheiros de combate, na formação da nacionalidade.
Contudo não podemos deixar de reconhecer, sob pena
de ingratidão os movimentos políticos decorrentes da época, que sentiam ou
pressentiam o que ocorria ou iria ocorrer.
Foram Conservadores e Liberais moderados que
trabalharam pela extinção gradativa da escravidão, consumada na Lei do Ventre
Livre.
Os abolicionistas que lutavam pelo fim da
importação de escravos, observada em 1850. Os Abolicionistas Radicais, adeptos
de medidas imediatas, a Lei dos Sexagenários de 1885, a própria Lei Áurea de 13
de maio de 1888, curta e eloqüente apenas com dois artigos:
1º - É declarada extinta, desde a data desta Lei, a
escravidão no Brasil.
2º - Revogam-se as disposições em contrário.
Se não expressa com
autenticidade a Consciência Negra, por não
significar a vontade da vítima diante do sofrimento, foram reações. O
negro, na conquista pela liberdade, só encontrou eloqüência, identidade na
pátria dos quilombos. Todavia não merecem ser desprezadas as correntes que se
sensibilizaram e tentarem evitar ou amenizar a grande injustiça.
Palmares significa brado de
guerra, pipocar dos anseios, extravasamento de sentimentos, revolta face ao
desconhecimento do que é ser e se portar como humano. É ânsia pela pátria da
memória, pelo berço dos pais e avós, relato nas histórias, alimentadas nas
religiões transportadas e disfarçadas de lá para cá, para serem permitidas, em
sua prática, pelo senhor branco. Daí o fetichismo e o sincretismo.
Zumbi tem muito de Tiarajú,
ou talvez, Tiarajú tenha muito de Zumbi, pioneiros, espíritos irmãos. O negro e
o índio encontram-se nos seus holocaustos, nestas duas figuras. Épicos em suas
épocas, mas na verdade, brados de resgate! É a consciência da raça violentada
no direito de ser livre, de trabalhar, amar, se deslocar, crescer pouco a
pouco, espiritual e intelectualmente, que lhes não foi proporcionado.
Passados os anos, da
reparação da Princesa, da luta e sacrifício de Zumbi, qual é a realidade?
Que consciência temos da
realidade a nossa frente? Sem subterfúgios, sem exageros, sem protestos
excessivos, sem culpabilidade teatral?
Persiste o vácuo cultural, um
enorme débito da minoria branca para com a maioria negra.
Ele é evidente. Está aí nas
ruas, nas televisões, nos jornais, nas faculdades. Um tanto amenizado,
demonstrando como é difícil recuperar o atraso programado na competição da
sociedade atual.
Caxias, em sua grande
sensibilidade, no dia 1º de março de 1845, por sua conta e risco, ao findar a
Revolução Farroupilha incluiu na paz de Ponche Verde: são livres e como tais
reconhecidos todos os cativos que serviram na República. Causou-lhe problemas
na Corte.
Contrariava, frontalmente, as
instruções reservadas de 18 de dezembro de 1844 que recebia do Gabinete
Liberal. Queria amparar os famosos e aguerridos Lanceiros Negros criados em
Pelotas e que tantas vitórias lhes dera pela coragem em combate. Tornou-se o
pioneiro efetivo da tese abolicionista que pode ser traduzida em sua ânsia nos
dias de hoje pela poesia de Oswaldo Camargo, constante da Antologia da Poesia
Negra Brasileira, sob o título ‘Canção Amarga’:
‘Eu venho vindo, ainda não
cheguei.../ Mas vive aqui meu velho pensamento,/ que se adiantou, enquanto
demorei.../ Na mornidão de um solo bem crestado/ (é o território estreito de
meu corpo),/ eu venho vindo, sim, mas não cheguei.../ Pois, rasgo a minha
sorte, ponho a vida/ sobre esta aguda
lápide de abismo;/ um dia nesta pedra enterrarei/ a minha carne inchada de
egoísmo.../ Eu venho vindo, ainda não cheguei.../ Recolho o pensamento e me
debruço/ nesta contemplação, assim me largo.../ E, preso ao ser que sou, soluço
e babo/ na terra preta de meu corpo amaro.../ Porém na hora exata cantarei.../
Eu venho vindo, ainda não cheguei...”
E como referência a raça que
luta, destaco a auxiliar de meu Gabinete, Noeli Laurêncio Nunes, a nossa Dona
Preta. Muito obrigado. (Palmas.)
(Revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE:
Recebo, agora, a representante do Movimento Negro de Porto Alegre, nesta Sessão
Especial, a Srª Maria da Conceição Lopes Fontoura, a quem concedo a palavra.
A SRA. MARIA
DA CONCEIÇÃO LOPES FONTOURA: Exmo Sr. Presidente da Câmara de
Vereadores de Porto Alegre, demais autoridades que compõem a Mesa; Senhores
Companheiros Militantes do Movimento Negro.
Inicialmente, boa-tarde.
Quinhentos anos trabalhando neste País não bastam.
Todos nós acabamos de ver que para termos voz precisamos gritar, bradar, espernear.
Escolhida que fui por grupos que participavam da organização da Segunda Semana
de Porto Alegre, quase corri o risco de não falar. Eu não venho aqui para falar
unicamente em meu nome. Venho para trazer a voz de todos aqueles negros que
vêm, há anos, lutando pelo direito que têm de serem cidadãos nessa sociedade
brasileira. Procurei, ao elaborar o meu discurso, colocar quatro eixos: o
primeiro, sobre as mulher negras; o segundo, sobre a organização negra, que
acabamos de ouvir referência; o terceiro, os solidários; o quarto, os avanços
conseguidos na luta.
Existem momentos de alegria, carregados de uma
carga muito grande de tristeza. Na ocasião em que fico contente por ter sido
escolhida para fazer um pronunciamento em nome do Movimento Negro de Porto
Alegre nesta sessão solene, sinto uma profunda tristeza por saber que em um
espaço como este não está presente diariamente a voz de uma mulher negra
trabalhadora. Sei, porém que não estou sozinha, comigo estão todas aquelas
mulheres negras que, de uma forma ou de outra, favoreceram a minha chegada até
aqui. Inicialmente desejo manifestar meu profundo respeito e admiração às
mulheres negras do passado. Saúdo
àquelas mulheres que sofreram na carne e no espírito o açoite dos senhores, dos
capitães do mato, das senhoras... durante o período escravocrático. Comigo
estão também as mães de santo que participaram ativamente da resistência ao
extermínio ao qual estava destinado ao povo negro “pós-libertação”. Lembro
ainda as mulheres negras que participaram dos vários momentos de insurreição
durante a escravidão, tomando parte na organização dos quilombos, manifestando
as variadas formas de resistência ao regime cruel, praticando o suicídio,
matando os senhores e as senhoras, executando o infanticídio, para que seus
filhos não tivessem o destino que o seu.
Lembro também as mulheres negras do
passado-presente, que buscam construir um mundo melhor do aquele que seus
antepassados viveram. Mulheres que, através do trabalho simples, manual,
desconsiderado até, lutaram para manter o núcleo familiar, buscando oportunizar
às gerações seguintes um “mundo melhor”. A luta destas mulheres negras
possibilitou que nós estejamos aqui, buscando não só a sobrevivência, mas
principalmente questionando a situação em que se encontra o negro brasileiro,
assumindo a luta pela transformação dessa realidade.
Trago comigo a experiência das mulheres negras do
presente, moldada pela história de luta de nossas antepassadas. Continuamos sua
luta.
Falar em nome do Movimento Negro de Porto Alegre requer
historiar a organização negra. Para se entender como funciona a organização
negra é preciso despir-se das formas associativas convencionais presentes na
sociedade branca ocidental. Nós negros militantes, já ouvimos várias vezes, até
de pessoas “bem intencionadas”, conselhos para que nos organizemos, só depois
disto poderemos ter direito a uma participação política efetiva na sociedade.
Cabe perguntar: será que se não tivéssemos um mínimo de organização ainda
estaríamos vivos neste País? - após termos sido libertados da forma como fomos?
Sabemos que a libertação serviu mais aos interesses dos escravizadores do que
dos ex-escravizados. Será que comemoraríamos hoje o dia Nacional da Consciência
Negra, se não fôssemos organizados? Teria Palmares, um exemplo de sociedade
socialista, igualitária e etnicamente democrática, durado quase um século, se
não houvesse organização? Ludibriar o sistema escravocrata que utilizou uma
série de formas para impedir a associação negra é demonstrar organização. Se os
senhores utilizaram habilmente a separação da família do africano escravizado
para impedir a comunicação e organização, como também separaram os grupos
étnicos com o mesmo fim. É impossível imaginar a resistência negra presente nas
revoltas, nas fugas, nas formações dos quilombos, na busca da liberdade e da
igualdade sem um mínimo de organização. Como explicar a existência de uma
sociedade negra com mais de cento e vinte anos, possuindo um quadro de sócios
invejável e nascida antes da chamada “abolição da escravatura”? Como se explica
a existência de outras formas de associação negra como as escolas de samba, as
tribos carnavalescas, as casas de religião negras, sem organização? Cabe
repetir mais uma vez que a resistência negra à escravidão sempre foi uma
constante na história do Brasil. Um exemplo de organização negra mais
aperfeiçoada foi a Frente Negra Brasileira, fundada em São Paulo, no dia 16 de
setembro de 1931. Segundo MOURA tinha uma estrutura que possibilitou ter cerca
de setenta mil filiados, “era o centro convergente de uma série de entidades e
grupos negros”, possuía um jornal intitulado A Voz da Raça (1983:56).
Transformou-se em um Partido político em 1936, sendo ceifado pelo Estado Novo
em 1937, no ano seguinte o jornal é extinto. A Frente Negra Brasileira teve
ramificações no Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul. Conforme
citado no livro do MNU - Dez anos de Luta Contra o Racismo: A FN foi de tal
ordem, que até hoje não se tem notícias de qualquer outro movimento que tenha
conseguido mobilizar as empregadas domésticas, e a FN conseguiu. E mais, estas
empregadas acabaram vindo a se constituir na sua principal base financeira... E
foi com estas mulheres negras, empregadas domésticas, contribuindo cada uma com
hum mil réis por mês, que a FN contou para manter em dia seus inúmeros
compromissos financeiros, entre eles o pagamento de seus agitadores
profissionais (1988:69). O Jornal O Exemplo surgido no RS é outro marco da
organização negra, tendo durado quase um século. É importante salientar o valor
do Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias do Nascimento em 1945, tinha
como objetivos: acabar com a prática de atores brancos pintarem-se de preto
para interpretarem personagens negras, procurava resgatar os valores da cultura
negro africana degradados e negados pela violência da cultura branco européia,
propunha a valorização do negro, através da educação, da cultura e da arte,
denunciado os equívocos da alienação dos estudos sobre o afro-brasileiro e
fazer com que o negro tomasse consciência da situação objetiva em que estava
inserido. A partir do final dos anos sessenta, surgem no Brasil grupos marcados
pela luta de libertação dos povos africanos e pelo movimento negro americano. A
maioria de seus componentes são negros que já venceram a barreira da simples
sobrevivência. Um grupo que teve capital importância para o Movimento Negro
Brasileiro foi o Grupo Palmares, surgido em Porto Alegre em 1971, liderado pelo
poeta Oliveira Silveira, autor intelectual da data do Vinte de Novembro, como símbolo
de resistência negra. Nesta mesma década começou a proliferar no País grupos de
negros, concentrando-se grande parte dos mesmos no centro do País. Os objetivos
destas entidades eram lutar pela valorização da cultura negra e contra o
preconceito e discriminação sofridos pelos negros brasileiros. Podemos dizer
que o grande momento da luta anti-racista negra na década de setenta, ocorreu
em 1978, quando foi criado o Movimento Negro Unificado, que teve ramificações
por quase todo o País. Hoje encontra-se forte na Bahia, em São Paulo, em Minas
Gerais, em Goiás, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, em Brasília e no Rio
Grande do Sul. Outro momento significativo da organização negra neste Estado,
ocorreu com o surgimento da Revista Tição, em 1977. Esta revista buscou ocupar
um espaço dentro da imprensa, para tratar de assuntos de interesse da
comunidade negra e que não apareciam na imprensa tradicional. Foram publicados
dois números da revista, o primeiro em 1978 e outro em 1979. A revista
ultrapassou as fronteiras do Rio Grande do Sul, atingindo um grande número de
estados brasileiros. O grupo inicial ligado a revista era constituído
majoritariamente por jornalistas negros, após o lançamento do primeiro número,
os componentes do grupo decidiram incorporar ao mesmo outros militantes,
criando-se assim o Grupo da Revista Tição. Como a manutenção da mesma era muito
dispendiosa, o grupo não teve como mantê-la da forma como havia projetado a
princípio, optando pela edição de um jornal. Como a grande maioria dos grupos
do Movimento Negro carece de uma estrutura econômica para se manter, o grupo
editou apenas um número do jornal. Como já foi referido, as mulheres negras
tiveram participação efetiva em todos os momentos da vida brasileira. Nos
vários grupos do Movimento Negro em que atuaram, as mesmas desenvolveram um
trabalho sério e conseqüente, participando da luta mais geral contra a
discriminação sofrida pelo negro na sociedade brasileira. Na década de oitenta,
embasadas por idéias do movimento feminista branco, mas sem perder as
peculiaridades próprias das negras,
algumas mulheres negras questionam a sua participação no Movimento Negro,
muitas delas sentem que precisam discutir questões específicas, propor
políticas públicas para as mulheres negras brasileiras. Estes são alguns dos
objetivos que nortearam a formação do “Maria Mulher”, em 1987. O grupo teve, na
sua fase inicial, quase duas dezenas de militantes, abrigando não só mulheres
negras, mas também homens negros que se identificaram com as mesmas bandeiras de
luta. Maria Mulher sofreu um refluxo no período de 90 a 92, tendo reiniciado no
mês de novembro do ano passado suas
atividades. Nesta sua nova fase, o grupo busca avançar em seus objetivos,
buscando somar aos anteriores a participação política na sociedade brasileira.
Nestas duas décadas de Movimento Negro em Porto Alegre, cabe fazer um destaque
para as formas como os grupos se organizaram. Os primeiros tinham um caráter de
total desvinculação com qualquer tipo de organização, governamental ou não. Com
o passar do tempo, as discussões, no seio da negrada, orientou para a
necessidade de compartilhar o poder político. A partir da década de oitenta, os
negros começam a participar dos partidos políticos de esquerda em sua maioria.
Procuram inserir nos partidos a discussão sobre a luta anti-racista negra, no
PDT surge o MOTIRAN - Movimento Trabalhista de Integração da Raça Negra, no
PMDB apareceu o MAN. No PT, aparece inicialmente o Núcleo de Negros depois a
Comissão de Negros. Atualmente existem no Partido o Núcleo de Negros, a
Setorial de Negros e a Secretária do Negro. A igreja católica que durante o
sistema escravocrático desempenhou um importante papel para a manutenção do
mesmo, realiza a partir dos anos oitenta um trabalho dirigido à comunidade
negra, através de parte de seus componentes, buscando talvez resgatar a grande
dívida contraída com a negrada. Neste caminho, representam importante papel, os
padres negros. Os Agentes de Pastoral Negros desempenham um trabalho de
assistência às comunidades negras carentes. Atualmente existem inúmeras
entidades de negros em Porto Alegre, refletindo as várias possibilidades de levar a discussão da questão negra na
sociedade brasileira. A esta pluralidade pedimos respeito, aos que vêem nestes
vários grupos, somente sinais de divisão. Multiplicidade que consideramos
salutar e necessária para quem é partidário da democracia, da dialética e da
pluralidade de idéias. Pluralidade que respeitamos quando se fala por exemplo
em Central Única de Trabalhadores - que não é única, ou quando se fala em
Central Geral de Trabalhadores que não é geral, assim como coexistem os
inúmeros partidos, muitos ligados ao pensamento conservador, como outros
identificados com a possível transformação da sociedade. Até mesmo dentro de um
mesmo Partido, coabitam formas diferentes de entendimento e tratamento dos
vários problemas. Não vemos uma crítica mais forte a esta pluralidade. Por que
nós negros temos pois que ficar presos todos a uma mesma bandeira de luta, se
os não negros manifestam livremente suas diversidades?
A atuação dos solidários a causa negra é de valiosa
importância para a transformação da situação em que se encontra a maioria da
população negra no Brasil. Solidariedade que não deve ser confundida com
paternalismo barato, pois este é filho direto da escravidão. O paternalismo
aprisiona, impede o crescimento do ser humano de forma livre e inteira. Nunca
precisamos de quem fale por nós. Se não conhecemos as regras da gramática, por
falta de acesso à mesma, nosso “pretugueis”, carente de erres e esses ainda é o
melhor veículo para transmitir a nossa luta. Entendemos por solidário aquele
que, conhecendo a história de lutas do povo negro, procura colocar-se ao lado
dele no resgate e construção de sua cidadania, sem querer por-se a frente, ou
tentar conseguir vantagens, utilizando a negrada. Vislumbro como solidário, por
exemplo, aquele que aparece na fotografia ao final de uma solenidade realizada
por negros. Aparecer na foto no início da festa, representa o cumprimento de
mera formalidade. Não queremos os formalistas, precisamos dos efetivamente
solidários, que procuram compartilhar ou sentir a mesma dor ou alegria , que só
quem é negro sente. Oportunizar a efetiva miscigenação do poder, favorecer a
organização negra, respeitar e valorizar a cultura negra são algumas das
possíveis manifestações de solidariedade à causa negra.
Avanços atingidos e reflexões: Apesar de que vinte anos para a História da Humanidade é um tempo extremamente pequeno, pode-se perceber alguns avanços na luta anti-racista negra. Sabemos que os eixos que moveram os primeiros militantes ainda são os mesmos que se encontram presentes para os novos, acrescidos de mais outros. Lutar contra o racismo, a discriminação, o preconceito e a violência raciais, buscar a valorização da cultura negra; compartilhar o poder, de uma forma socializada, onde todos os brasileiros sejam verdadeiramente cidadãos, tendo satisfeitos os direitos mínimos que vão da moradia, alimentação, saúde, educação ao prazer. Estes objetivos unem com certeza a pluralidade dos grupos negros brasileiros. Mais poderia dizer, porém fico por aqui, lembrando das mulheres e dos homens negros que arrancados de sua terra, privados da liberdade souberam dar a todos uma lição de coragem, de dignidade e perseverança, mostrando que não existem grilhões, cadeias ou amarras que possam impedir que lutemos por uma vida melhor, em uma sociedade igualitária, justa e socialista.
Agradeço a lição recebida das mulheres e dos homens
negros. Agradeço à Josefa, Luciana de Abreu, Negrinha do Alto Teresópolis,
Luiza Mahim, Rita Maria, Zumbi, Luiz Gama, João Cândido, Lua, Baiano, Ireno,
Vera, Dilmair, Cláudia e a todos que, sem temer, colocam-se como negros, pois
quem é filho de negro, negro é. Não se pode ser filho de negros sem ser negro.
Muito obrigada. (Palmas.)
(Não revisto pela oradora.)
O SR.
PRESIDENTE: Agradecemos a participação da Maria Conceição Lopes Fontoura,
que tão bem soube nos trazer informações que, possivelmente, a grande maioria
dos presentes e dos Srs. Vereadores presentes não tinham estas informações
históricas das organizações, através do tempo, dos movimentos negros.
Anunciamos a presença do Ver. Artur Zanella e,
antes de encerrarmos, passamos a palavra ao nosso Relações Públicas, Sr. Leonel
Biazus, que tem algumas informações a nos dar.
O SR. LEONEL
BIAZUS: Nós gostaríamos de convidar o Pai Ailton da Oxum que quer, em nome
do 12º Encontro Internacional de Babalorixás e Ialorixás, fazer a entrega de
dois diplomas de Menção Honrosa; um para o Presidente da Câmara, Ver. Wilton
Araújo, e outro para a Câmara Municipal.
( O Pai Ailton da Oxum faz a entrega dos diplomas.)
(Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE: Recebo estes dois diplomas de Menção Honrosa do 12º Encontro
Internacional de Brasil, Argentina e Uruguai, de Babalorixás e Ialorixás, com
humildade de ser mais um nesta causa simples, honesto, pequeno do tamanho que
todos nós somos, os espiritualistas sabem disso. Mas, com a convicção de que
cada momento, cada marco, cada dia, cada semana do negro nós vamos construir a
unidade que queremos, a vontade de sermos respeitados, a vontade e a
consciência de que o racismo existe de forma violenta ainda no nosso País. Essa
união, essa denúncia, ao lembrar Zumbi, o grande guerreiro, o grande herói, faz
com que a totalidade dos 33 Vereadores sejam os legítimos representantes do
povo de Porto Alegre. E a totalidade deles aprovou ou vem aprovando, ano após
ano, esta solenidade que sempre se transforma num grito de guerra, num brado de
levante para mostrar as nossas realidades.
A Câmara Municipal integra-se neste movimento, integra-se e é mais uma que vai a todo o dia e a toda hora produzir peças, encontros, vontades, enfim, poder reunir todos os desejos do povo de Porto Alegre.
Nós vamos, antes de encerrar, junto aos nossos
convidados, dizer que crescemos hoje mais um pouco, como acontece todos os dias
na vida de um cidadão. Eu acho que nunca é demais aprender, nunca é demais até
voltar atrás nas decisões que tomamos. A humildade que caracteriza este
Vereador, que todos os dias nesta Casa vê discussões, propostas, idéias serem
colocadas de forma firme, com tranqüilidade de que esse dia a dia, o nosso dia
a dia, o dia a dia da sociedade democrática. Nós respeitamos a vontade daqueles
que mesmo atrasados trouxeram o nome para manifestar. Reafirmamos que esta Casa
e aquela tribuna está aberta, não só hoje que é dia de solenidade, mas todos os
dias, através de sua Tribuna Popular, para todos os movimentos se manifestarem,
tamanha é a vocação e a vontade democrática da Câmara Municipal de Porto Alegre
e de seu povo. Por isso, reconhecemos a legitimidade e, sem dúvida, demos a
palavra com a maior tranqüilidade. Esta Sessão fica como um marco que vai unir
ainda mais as várias tendências do Movimento Negro da Cidade de Porto Alegre,
do Estado do Rio Grande do Sul e do Brasil. Os Vereadores de Porto Alegre são
mais de trinta e três aliados nesta luta.
Gostaria de convidar a todos os presentes para que juntos, em um momento inédito em que a Câmara de Porto Alegre nunca viu, para a honra desta Mesa Diretora da Câmara, recebamos a benção da religião que tem como raiz a África.
Pedimos que todos, em um momento de profunda
reflexão, elevemos os nossos pensamentos bem alto, para que possamos receber as
bênçãos que serão dadas pelos nossos convidados: Pais e Mães de Santo.
Estão levantados os trabalhos.
(Levanta-se a Sessão às 18h30mim.)
* * * * *